Seja bem-vindo
Belo Horizonte,25/04/2025

  • A +
  • A -

Faça as mudanças que você deseja

vidasimples.co
Faça as mudanças que você deseja
Publicidade

É sexta-feira à noite e, finalmente, consigo tirar os discos das caixas – ficaram ali por semanas até que eu encontrasse tempo para desempacotá-los. Um deles me chama a atenção. Na capa, de costas para a silhueta de edifícios, uma figura ergue os braços, movendo-se ao sabor do vento. Em contras- te com o preto e branco da imagem, letras verdes anunciam o nome do LP e de seu autor: “O eterno Deus Mu dança”, de Gilberto Gil.


Publicidade
“Sente-se, e não é somente aqui, mas em qualquer lugar. Terras, povos diferentes – outros sonhos para sonhar. Mesmo, e até principalmente, onde menos queixas há. Mesmo lá, no inconsciente, alguma coisa está clamando por mudança”. Soam em um ritmo swingado os versos da canção-título do álbum de 1989. Nem busquei resistir. Em meio ao cansaço e à bagunça, fiz da nova casa uma pista de dança. É meu sétimo lar em 35 anos.


Com ele, tantas outras capas e cascas ficaram para trás: hábitos, rotinas, padrões, desejos. O que antes fazia sentido, passou a não fazer mais, e, de novo, uma nova vida e seu chamado – atendi. E você, se lembra da última vez em que recebeu uma convocação assim e de onde ela nasceu?


Por que a mudança?


A psicopedagoga Felícia Omidire Pilli, pesquisadora de danças de terreiro e mestranda em Ciência da Religião, nos ajuda a mapear essa origem: “O desejo de mudança nasce do confronto com a insatisfação e da percepção de que merecemos algo mais. Seja uma inquietação interna ou o reflexo das nossas ações no mundo, há um chamado silencioso que nos lembra que somos dinâmicos”.


Segundo a artista-educadora, quando reconhecemos padrões que nos prendem, começamos a imaginar um futuro no qual eles não nos limitam mais. “Esse sonho é, na verdade, um ato de coragem: uma vontade de nos libertarmos para sermos mais autênticos, mais leves e mais próximos da nossa essência.”


Mesmo com toda a incerteza sobre o que virá, o que nos move nesse momento é a busca por sentido. “Expandimos o olhar por novas referências, experiências diferentes que possam nos oferecer pistas e contornos de algo que tenha mais significado para nós”, diz a psicanalista e astróloga Verbenna Yin. Ela compara as atualizações da vida com o padrão expansivo do cosmos. “Nenhum astro está na mesma posição que ocupava há 100 anos.”


Podemos pensar, então, que questões de saúde mental, como síndrome do pânico, ansiedade e depressão, espelham a tentativa ingrata de se aferrar a um único jeito de viver. “A vida é diversa, assim como a natureza, e a diversidade é característica humana também. Vemos isso mais facilmente no coletivo, mas somos igualmente plurais na nossa individualidade. Além disso, há um tempo para a expressão de cada um dos nossos aspectos”, constata.


Ilustração com pessoa tomando chá ou café. Mudança

Quem se acostumou a correr atrás do relógio, um dia, diz: ‘Chega! Há de haver espaço em mim para contemplar a quietude’


Nossas metamorfoses


Regina Gianetti, jornalista e instrutora de mindfulness pelo Centro Mente Aberta da Universidade Federal de São Paulo (Uni- fesp), reforça que a convocação à mudança vem dos incômodos, especialmente em relação a situações repetitivas. Nessa encruzilhada, é preciso investigar a nossa parte no problema. “Freud nos questiona: ‘Qual é a sua responsabilidade pela desordem da qual você se queixa?’ Isso pode nos levar a ter insights de qual é a nossa atitude, a crença, o que quer que seja do nosso interior, que está provocando aquela situação.”


Atenção e autoconhecimento são fatores cruciais para reconhecer os chamados à atualização de forma consciente. Afinal, muitas vezes, a transformação pela qual passamos é o único caminho para garantir a nossa existência. “O que me motiva a mudar é a fé, é acreditar que amanhã as coisas podem ser diferentes, que a gente vai poder existir e ser uma sociedade mais humana e igualitária”, diz Alexya Salvador. Primeira clériga travesti da América Latina, ela fez sua transição quando, enfim, encontrou uma igreja que acolhe pessoas, independentemente de seu gênero e orientação sexual.


Alexya expressa a importância da esperança compartilhada como combustível para a mudança pessoal, impulsionada pelo sonho de um futuro melhor e mais justo para todos, especialmente em um país que, pelo 14º ano seguido, é o que mais assassina travestis e mulheres trans em todo o mundo. “Sou muito grata a quem fui lá atrás, porque eu não ia conseguir chegar até aqui se não me transformasse, se não me permitisse viver essa metamorfose, a sair do casulo, se eu não me permitisse voar.”


O papel das crises


Por mais que a vida aponte para outras vestes e voos, em certos momentos, nos aferramos às nossas armaduras enferrujadas. No livro Além do princípio do prazer, de 1920, o austríaco Sigmund Freud, fundador da psicanálise, identifica um prazer inconsciente na dor da repetição. “A mudança sacode, inquieta, incomoda, porque a gente tem que se mexer”, detalha o psicanalista e escritor Alexandre Patricio de Almeida, criador do podcast Psicanálise de boteco. “Então, às vezes, a gente resiste porque está apegado a esse sofrimento, ao que é confortável, mesmo sendo um conforto doloroso.”


O problema disso é que, se não atendemos aos chamados sutis, a vida berra e gera verdadeiros terremotos sob os nossos pés, nos forçando ao movimento. Essas torres em queda também atendem pelo nome de crises. Provocadas por situações como adoeci- mentos, perda de uma pessoa querida ou de um trabalho, elas são aflitivas e angustiantes, mas também catalisam transformações. Esses momentos nos convocam a um mergulho no qual devemos confrontar nossos medos e sombras. “A crise nada mais é que o mergulho nas profundezas. Por mais dolorosas que sejam, elas trazem a luz que raramente surge em tempos de calmaria”, diz Felícia. “A dor que pode acompanhar a crise é como o fogo que transforma o metal bruto em algo mais refinado – se a encararmos com abertura, ela pode nos levar a um renascimento mais alinhado com quem realmente somos.”



“O desejo de mudança nasce do confronto com a insatisfação e da percepção de que merecemos algo mais. A inquietação interna é um chamado silencioso que nos lembra que somos dinâmicos”



As adversidades podem ser encaradas como mensageiras ou mestras que revelam o que nos prende, compara a monja norte-americana Pema Chödrön, no livro Quando tudo se desfaz (Gryphus). “Os acontecimentos e pessoas que desencadeiam nossas questões mal resolvidas poderiam ser vistos como boas notícias”. Mas não são, comenta Regina. Isso porque há traços da nossa personalidade com os quais nos identificamos tanto que a ideia de mudar soa como uma espécie de morte.


“Continuamos a ignorar um fato básico para todo e qualquer processo de mudança e transformação: desaprender, soltar, deixar ir, morrer”, nos lembra o psicólogo Sidney Carlos Rocha Silva, diretor da Associação Pernambucana de Psicologia Transpessoal (APPT). Antes de adotar novos modos de ser, é preciso sustentar o vazio. Uma dica é se perguntar: “O que preciso deixar de ser para dar espaço para o que posso ainda me tornar?”, aconselha.


O papel da vida com suas crises e chamados é o de nos confrontar com o que precisamos para nos equilibrar e curar nossas feridas. “O desapego é doído. Não é fácil, mas é libertador também”, afirma Regina. “Depois que a gente solta umas peças da armadura por aí, dá uma leveza muito grande e a gente se sente mais fortalecida. Aí vem uma mudança ainda mais profunda.”


Ilustração com bolsa, caderno, caneta e café. Mudança

O chamado do desconhecido pode nos levar para longe. Para outras terras, sotaques e sabores. Um tempo para se reinventar


Acolher o que não podemos mudar


Nem sempre possuímos recursos para lidar com situações difíceis, que podem vir em forma de duros traumas. Segundo a psicóloga clínica Karoline Oliveira, talvez esse não seja o momento ideal para se beneficiar ou aprender, já que pode nos encontrar tomados pelo excesso de sentimentos e pela falta de controle, impedindo nosso acesso aos recursos de autorregulação.


É somente depois que a dor intensa passa e juntamos nossos caquinhos que a elaboração de estratégias de mudança pode, enfim, se materializar. Para isso, é importante lembrar de nos cuidar e de pedir ajuda, buscando acolhimento em nossa rede afetiva e, se for o caso, apoio profissional. “A importância da crise é o reparo e, depois, refletir sobre o que ela sinalizou para compreender se havia algum acúmulo ou falta acontecendo ali”, analisa Karoline, que utiliza a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e abordagens da Psicologia Afrocentrada em sua prática clínica. Assim, ela explica, são geradas as condições para se identificar o que deve ser mudado, evitando que a crise se repita ou cause mais danos.



“A mudança sacode, inquieta, incomoda, porque a gente tem que se mexer. Às vezes, a gente resiste porque está apegado a esse sofrimento, ao que é confortável, mesmo sendo um conforto doloroso”



Mas será realmente possível se libertar de padrões ligados a condicionamentos sociais e familiares, profundamente arraigados em nós, e inaugurar um novo modo de pensar, se perceber e agir no mundo? Ou há características imutáveis em nossa natureza? “Quando falamos de hábitos e comportamentos, muito pode ser mudado a partir de uma firme decisão”, responde Verbenna. “Mas, quando falamos de traços pessoais, nem tudo pode ser alterado, é verdade.”


Ainda assim, ganhando consciência sobre as estruturas psíquicas, que conjugam nossas características e forma de funcionar, podemos aprender a modulá-las e a manifestá-las de maneira mais construtiva ao longo de um processo de amadurecimento. “Não é possível deixar de ser quem se é. Com os anos, algumas características vão ficando ainda mais cristalizadas em nós. Mas é possível aprender a se relacionar melhor com o mundo”, diz Felícia. “O autoconhecimento e a busca por experiências que propiciem transformações podem nos ajudar a questionar e ressignificar esses condicionamentos.”


Brigar com as partes que nos desagradam e tentar mudá-las a todo custo não ajuda, observa Regina. “Primeiro, a gente precisa aceitar os traços de que não gostamos e, com autocompaixão, compreender que todos os nossos comportamentos, mesmo os que a gente mais detesta, nos ajudaram a nos proteger em algum momento da vida“, diz. “É preciso mudar não por uma rejeição a uma parte de nós, mas por amor a nós.”


Devemos, ainda, refletir sobre o motivo do nosso desejo por mudar. Ele é autêntico? Ou parte da vontade de agradar, ter reconhecimento e se encaixar em padrões sociais? “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso, nunca se sabe qual é o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro”, escreveu Clarice Lispector, em trecho de uma carta enviada à sua irmã, Tania Kaufmann. “Muito daquilo que a gente é, nossas bases e raízes, permanecem. Elas podem ser desconstruídas, amenizadas, podem até perder a força. Mas elas sustentam o nosso eu”, discorre Alexandre.


Ilustração de vitrola. Mudanç

Quais canções virarão tema do seu novo momento, do seu novo ‘eu’? Mudar o disco é inspiração para seguir adiante


Dançar com fé


Em uma sociedade que elogia a performance e o imediatismo, a urgência por atender expectativas tende a atropelar nosso pro- cesso interno de transformação. “A gente quer mudar para ontem, e às vezes essa mudança não é real, mas feita de fora para dentro e não de dentro para fora. Cultivar e esperar, vivendo nosso tempo, é fundamental“, aconselha Alexandre. O psicanalista ressalta que a transformação autêntica exige dedicação e a capacidade de vivenciar o presente sem nos prendermos de forma exagerada ao passado ou aos anseios futuros. Afinal, a perfeição é desumana e seria uma ilusão pensar que só seremos felizes quando formos assim ou assado.


As grandes transformações que projetamos podem nos intimidar por sua complexidade. Para torná-las mais palpáveis, a psicóloga Karoline recomenda começar pelo simples, mudando pequenos hábitos, pouco a pouco. Também se faz necessário acolher que o processo de mudança inclui recuos – e que isso não o torna frágil e falho. “Muito pelo contrário, isso é o natural”, pondera. “A gente está falando de profundidade. É como tentar tirar a raiz de uma árvore que está segura. Mesmo que o ambiente não seja bom para ela, é trabalhoso tirá-la dali.”



“Precisamos aceitar os traços de que não gostamos, compreendendo que eles nos protegeram em algum momento da vida. Mudar não por rejeição a nós, mas por amor a nós”



Nunca subestime o poder de pequenas mudanças consistentes. “Elas são o primeiro passo para grandes revoluções internas”, concorda Felícia. Para além da nossa força de vontade e poder de ação, podemos ter no tempo e na fé espiritual aliadas da mu- dança. “Transformação é um equilíbrio delicado entre ação e rendição”, diz a psicopedagoga, que acredita que saber de onde viemos nos fortalece a imaginar para onde podemos ir. Ela defende o primeiro passo, mas também a sabedoria de não lutar contra o fluxo natural das coisas. “Diria que o segredo está na dança: mover-se quando necessário, mas saber repousar e confiar quando a vida nos pede paciência”.


➥ Leia mais

As mudanças que a mudança traz

Quando saber a hora de mudar? Entenda as pistas que a vida dá

O básico que funciona: o poder dos hábitos simples para mudar sua vida


O post Faça as mudanças que você deseja apareceu primeiro em Vida Simples.

Publicidade



COMENTÁRIOS

Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.