Ensinamentos do budismo para amar todas as formas de vida

É comum em momentos de crise nos voltarmos para a espiritualidade ou buscarmos em filosofias religiosas um alento para nossas aflições. Vivemos tempos estranhos mesmo, em que as notícias ruins e os diagnósticos desesperançosos acerca do futuro da humanidade e da Terra parecem se sobrepor às tantas iniciativas de regeneração que acontecem em todo o planeta.
A resiliência no budismo, segundo Monja Coen
Para Monja Coen, missionária oficial da tradição Soto Shu do Japão para o Brasil, é importante pensarmos no ensinamento de Buda que diz que não há nada fixo nem permanente. Tudo começa, tem meio, fim e um recomeço.
“Temos uma grande responsabilidade por esse descuido que está acontecendo e é o oposto do que Buda ensina, ou seja, o cuidado amoroso, a sabedoria e a compaixão por todas as formas de vida”, diz Coen.
“A Terra é nosso corpo comum, e nossa sobrevivência como espécie depende da sobrevivência das outras espécies”.
Em sua visão, o zen-budismo pode despertar a consciência humana, a percepção de que somos uma só vida com tudo o que existe. “Acredito que o DNA humano quer sobreviver e, quando acessamos nossas raízes humanas mais profundas, trabalhando com a meditação, podemos nos transformar em grandes cuidadores do planeta”, enfatiza.
Segundo a monja, o difícil momento atual é de resgate dos nossos valores e princípios éticos. Mas não é só pensar, é agir e ajudar a cuidar. É saber escolher empresas e produtos no supermercado que não poluam o meio ambiente, por exemplo.
“Se você sente angústia, a palavra é resiliência. Não desista de você e de seus sonhos, não desista da espécie humana. Ainda é possível restaurar o planeta e esperançar, como dizia Paulo Freire”, frisa.
Para aqueles momentos em que não vemos solução, Coen sugere a observação interior. “Sente-se, respire devagar algumas vezes e depois procure aquietar a mente e o corpo, percebendo o batimento cardíaco. Assim, aos poucos, você vai encontrar saídas para esse drama e novas maneiras de estar no mundo”, diz ela.
Os cinco votos do budismo tibetano

A linguagem da natureza é a da harmonia. Cada mínima manifestação de vida tem seu valor e seu lugar. Aprendamos com ela (Foto: HUANYU YAO/GETTY IMAGES)
O sacerdote do budismo tibetano, Lama Padma Samten, físico, educador e ativista no Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), no Instituto Caminho do Meio (ICM) e na Ação Paramita, conta uma história.
Segundo ele, Buda falava, em muitos diálogos com reis e governantes, sobre como criar um ambiente pacífico e melhor para o reino. Mas também um lugar mais forte e resiliente, por meio de cinco votos budistas para praticantes leigos.
Os dois primeiros são não matar e não roubar. “Não é apenas não matar outros seres humanos, mas não eliminar as condições de vida dos outros seres que habitam o planeta, porque isso gera uma consequência cármica”, explica. Isso tem a ver com a premissa de não nos apossarmos da terra, da água, dos seres, dos animais.
O terceiro voto fala sobre não cometer nenhum tipo de violência sexual, resguardando, sobretudo, as mulheres. Não mentir e não se intoxicar com substâncias que alteram a consciência são o quarto e o quinto votos, que tratam sobre mantermos a lucidez, o equilíbrio da mente e a busca pelo conhecimento, sem criarmos para os outros realidades ou visões equivocadas.
Há ainda, ele diz, a prática ligada à ideia da luminosidade da mente. É estar diante do caos e pensar: temos que aceitar o mundo como ele é ou podemos construir um mundo melhor?
“A partir dessa perspectiva, podemos produzir o que chamamos de terra pura, um mundo verdadeiramente melhor, no qual nos alegraremos em criar nossos filhos e netos, entendendo de maneira mais ampla nossas relações com os vários seres com os quais compartilhamos a vida que pulsa coletivamente dentro de um ambiente equilibrado”.
O ativismo budista no ecodarma
Vinculada ao Zen Center de Los Angeles, onde se ordenou monja, Tchoren orienta a Sanga Mãos Vazias, em Campinas, interior de São Paulo, e é tradutora de livros como Ecodarma, de David Loy (Bambual).
A obra alinha a tradição budista às necessidades atuais, combinando preocupações ecológicas com os ensinamentos originais e tradições espirituais relacionadas.
“Muitos textos clássicos do budismo, de certa maneira, são interpretados de modo a levar à passividade e à visão de que precisamos primeiro nos iluminar para depois pensarmos no resto. Ainda que exista a figura de Bodhisatva, que enfatiza a compaixão, o salvar e o servir a todos os seres, como um ativismo mesmo”, explica a monja.
Assim, o ecodarma e o ecosatva propõem um abraçar simultâneo do autoconhecimento e da ação correta no mundo.
“Temos que nos sentar na almofada para meditar e temos que agir para a regeneração do planeta. De minha parte, participo de diversos movimentos socioambientais e faço até campanha política para candidatos que têm uma pauta ambiental consistente”, argumenta.
“Acredito que o DNA humano quer sobreviver e, quando acessamos nossas raízes mais profundas, trabalhando com a meditação, podemos nos transformar em grandes cuidadores do planeta”
Sua fé lhe diz que é possível transformar nossa mente. “Nesse processo, é importante que a esperança não se ligue à expectativa de resultados ou mesmo ao otimismo, mas à equanimidade. Temos que fazer simplesmente porque é o correto a ser feito”, pontua.
Tchoren oferece periodicamente o curso online “Preceitos e Crise Climática”, e outras possibilidades de treinamento (@zenbudismocampinas).
Não é hora de esmorecer. E sim de colocar o amor em movimento por todos os cantos da Terra.
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GIULIANA CAPELLO é jornalista. Pratica meditação e yoga para cultivar um refúgio interno que lhe permita saber dos desafios atuais e, ainda assim, esperançar.
Conteúdo publicado originalmente na edição 275 da Vida Simples.
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